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Acervos Digitais: acesso aberto nunca será má notícia

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Original em inglês por Merete Sanderhoff — Tradução livre: José Murilo

Johan Thomas Lundbye, Zealand Landscape. Open Country in North Zealand, 1842, inv. no. KMS402. SMK, public domain

Johan Thomas Lundbye, Zealand Landscape. Open Country in North Zealand, 1842, inv. no. KMS402. SMK, public domain

Diversos de nós responderam com entusiasmo à notícia recente de que o MET – ‘The Metropolitan Museum of Art’ abriu suas coleções digitalizadas para reutilização livre e irrestrita. Logo após este anúncio seguiu-se a notícia de que o diretor do MET, Thomas Campbell, renunciou sob pressão devido a um déficit financeiro crescente. Tal fato deu origem a uma narrativa que busca relacionar as duas ocorrências, e questiona criticamente a decisão do MET de parar de cobrar por suas imagens digitalizadas, a qual não seria viável em um momento de restrição financeira.

Pelo fato de terem acontecido tão próximas no tempo, pode parecer óbvio o link entre as duas histórias. Mas eu diria que não existem evidências sobre as causas da grave crise financeira do museu. Por boas razões, não estou em condições de ter uma visão clara sobre a situação, mas acho difícil acreditar que em uma instituição vasta e complexa como o MET, a crise seja causada por um excesso de investimento na presença digital do museu. (Parte da complexidade da instituição é descrita neste artigo do New York Times). Se quisermos ter um debate informada sobre os custos para administrar um museu, e como priorizar os recursos, a primeira coisa que teríamos que exigir é uma visão dos números reais – orçamentos operacionais e custos, receita e renda líquida, alcance e impacto de cada área, e como elas se integram. O digital é certamente um dos ramos mais recentes a ter crescido no ecossistema do museu, mas isso não significa necessariamente que é o mais dispensável, se tivermos que definir prioridades.

Museus em todo o mundo estão enfrentando desafios comuns na era digital. O aumento da digitalização e do acesso à Internet nos obriga a nos adaptar a comportamentos e expectativas de usuários completamente novos. Isso é trabalho duro. Há um monte de terreno descoberto, e exige experimentação e investimento para ter sucesso. Mas é necessário.

Naturalmente, cada instituição deve tomar suas próprias decisões sobre como gastar seus fundos. Mas eu gostaria de desafiar a noção de que a aderência ao dinheiro de cobrança para imagens digitais teria salvo ‘The Met’. Museus em todo o mundo estão aprendendo que o modelo de negócios de licenciamento de imagens inventadas na era analógica está sob uma séria pressão no mundo digital. Quando museus como o Rijksmuseum, o Museu Getty, a Galeria Nacional de Arte, e agora o Met oferecem acesso livre e aberto às suas coleções digitalizadas, não é apenas para apoiar uma causa nobre. É porque eles entendem e trabalham com as realidades da Internet.

Algumas dessas realidades essenciais incluem:

Se é difícil e/ou caro para obter imagens digitalizadas de obras de arte de museus, as pessoas irão procurá-las [e acharão] em outro lugar.

A maioria dos museus faz hoje menos dinheiro do que perde no processo de licenciamento de imagens.

Se o conteúdo não está on-line, não existe.

Estas não são inteiramente minhas próprias opiniões. Eles baseiam-se em anos de estudos e coleta de provas. Veja, por exemplo, o estudo seminal de Simon Tanner sobre direitos e modelos de reprodução em museus norte-americanos. Consulte o artigo ‘The Problem of the Yellow Milkmaid’ de Peter Kaufmann, Harry Verwayen e Martijn Arnoldus. Leia os relatórios de Kristin Kelly e Effie Kapsalis analisando as experiências dos museus que se aventuraram a abrir suas coleções para reutilização gratuita pelo público.

Vejamos um exemplo proeminente. Quando o Rijksmuseum liberou sua coleção digitalizada para o domínio público, eles o fizeram informados por um importante aprendizado. O museu realizou uma pesquisa sobre as imagens que encontram no Google sobre algumas das obras-primas em sua coleção, entre eles The Milkmaid’, de Vermeer. Na época, o museu ainda mantinha o tradicional licenciamento de imagens. Mesmo assim, dezenas de milhares de versões digitais de ‘The Milkmaid’ estavam disponíveis na internet – muitas delas de má qualidade. Tal descoberta fez com que o museu percebesse que o modelo de negócio tradicional de licenciamento de imagem estava quebrado. Quando confrontados com taxas de licenciamento e formulários de permissão, as pessoas iriam recorrer à Internet para encontrar as imagens que precisavam, de graça.

Onde alguns teriam enxergado uma violação de direitos, o Rijksmuseum viu uma oportunidade. Eles perceberam evidências de um enorme interesse público em sua coleção, e eles viram potencial para construir relacionamentos com estes novos usuários da internet, que demonstravam ter fome de imagens de suas obras de arte. O Rijksmuseum então publicou suas imagens digitais de alta qualidade online gratuitamente, e eles não pararam por aí. Eles convidaram as pessoas a reutilizar as imagens para todos os propósitos imagináveis, desde o uso para ilustração de publicações acadêmicas e artigos de Wikipedia, até o incentivo para o remix de elementos das obras originais em novos objetos de design. Em pouco tempo, suas imagens autorizadas e de alta qualidade foram classificadas no topo das pesquisas do Google. Hoje, com a iniciativa em pleno curso, o museu informa que está ganhando mais dinheiro com sua política de acesso aberto (por exemplo, por meio do valor da marca, novas parcerias, patrocinadores e doadores) do que com a venda de licenças de imagens. Você pode saber mais no relatório da realizado pela Europeana: Democratizando o Rijksmuseum.

Ao abandonar a lógica do controle sobre os bens digitais, o Rijksmuseum recuperou um novo nível de controle sobre a forma como sua coleção é apresentada on-line. E dessa forma, surgiram novos tipos de fluxo de renda no processo. O digital é um desafio palpável para o setor de museus. A abertura esclarece e resolve o desafio.

Museus como o Rijksmuseum e o MET têm espaço em suas galerias para apresentar apenas uma fração de suas coleções fisicamente acessíveis. Apenas uma ínfima parte da população global vai visitá-los. Mesmo no caso do MET, que atingiu 7 milhões de visitantes no ano passado, trata-se ainda apenas de uma fração dos mais de 7 bilhões de pessoas no mundo.

Com a sua política de acesso aberto, de uma só vez ‘The MET’ ampliou seu espaço de exposição, tornando-se verdadeiramente um dos maiores museus do mundo. Suas coleções são criadas pelos povos e culturas do mundo, da Ásia à Europa, da África à América. Agora, pela primeira vez na história, todos têm acesso a desfrutar do acesso a esta herança mundial (pelo menos os 3,5 bilhões que hoje possuem uma conexão com a Internet). Isso é um investimento que pode significar perda de receita agora. Mas se bem feito, pode levar a poupanças administrativas e uma base sólida para o desenvolvimento de novos modelos de negócios mais alinhados aos padrões de comportamento do usuário digital.

Eu não quero minimizar os investimentos necessários para apoiar os museus na era digital. Uma era em que nossas coleções não têm que sentar-se quietamente em prateleiras fechadas apenas para ser ocasionalmente desfrutadas por grupos seletos, mas onde poderão consquistar alcance e impacto até agora impensáveis. A promoção do acesso às nossas coleções é a nossa razão de ser. A razão pela qual os coletamos e os preservamos é porque acreditamos que eles podem contar às pessoas coisas importantes sobre a história da humanidade, sobre sua identidade cultural, progressos e diferenças. Sem acesso, eles são apenas objetos mortos mantidos em embalagens chiques.

Hoje, se uma coleção de museu não está on-line, não existe para a maioria das pessoas. Durante gerações, foi necessário limitar o acesso e o uso de reproduções de imagens. Hoje, temos novas possibilidades. Digital é a mesma coisa que compartilhável. Continuar a restringir o uso de nossas reproduções, uma vez que elas existam em formato digital, significa efetivamente trancar a maioria dos usuários lá fora – aqueles que nunca terão o dinheiro ou incentivo para comprar um bilhete para o MET, ou a uma reprodução de imagem autorizada. Esta é de fato uma maneira de exercer poder sobre quem consegue acessar, usar e desfrutar da herança mundial.

O que o MET mostra com seu programa de acesso aberto é que ele não limita em sua missão o apoio aos propósitos de uso exclusivamente acadêmicos. Ao colocar o conteúdo ‘aonde o povo está’, o programa desafia e efetivamente transforma a experiência dos que começam agora a se envolver com o patrimônio cultural. O investimento vai além da simples criação de acesso a parcerias com plataformas populares no campo da fruição cultural e da aprendizagem, como o Google Cultural Institute, Pinterest e Wikipedia. Plataformas como estas se tornaram centros de busca de informações on-line e compartilhamento de conhecimento coletivo entre milhões de pessoas. Eles dependem de imagens compartilháveis. Estar presente aqui é uma forma de garantir que as coleções do ‘The MET’ se tornem visíveis, acessíveis e, portanto, relevantes para uma parte muito maior da população mundial.

Como se disse, todo museu tem que tomar decisões equilibradas sobre como priorizar seus orçamentos ao se adaptar a novos desenvolvimentos e demandas em uma era digital. Esse também é o sentimento por trás de toda a pesquisa sobre o acesso aberto que eu devorei (alguns dos quais eu me refiro acima). No SMK (National Museum for Kunst – Denmark), estamos dando pequenos passos para implementar o acesso aberto a um ritmo sustentável para a nossa instituição. Inspirado pelo modelo do Cooper Hewitt Museum, estamos construindo uma API aberta que não será apenas um ponto de acesso para a interação com o mundo circundante, mas também a espinha dorsal em nosso próprio fluxo de trabalho.

O compartilhamento de imagens abertas é um investimento no futuro. A notícia dos problemas financeiros do Met é profundamente deplorável, mas isso não torna o acesso aberto menos sadio como estratégia. Como setor, precisamos de ambições de longo prazo para permanecer relevantes em uma sociedade em transformação.

É por isso que o acesso aberto nunca pode ser uma má notícia.

oOo

Merete Sanderhoff

Merete Sanderhoff é Curadora/Assessora Senior de
Práticas Digitais do @smkmuseum (Staten Museum for Kunst – Denmark)
Historiadora da Arte, OpenGLAMer, membro da ‘Europeana Network‘,
Protagonista do movimento ‘Sharing is Caring

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